quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Nascer



Vi um mar de sangue e morte;
 Vi caos e descontentamento;
 Vi portas de dor e sofrimento;
 E me vi largada a própria sorte.

 Era dor lacerante, dor profunda;
 O reflexo da alma esquartejada;
 O reflexo da vida lacerada;
 Era pura matéria flácida e imunda.

 Era o início de todos os tormentos;
 Era a vida em fim a se mostrar;
 Tão crua quanto possa estar;
 Para gerar tal desalentamento.

 E respirei em fim, vivi,
 Era apenas água e sangue, o mundo;
 Um respirar de dor profundo;
 A vida, um colo, então nasci!

Por Monica Gomes Teixeira Campello de Souza
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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Um Juri de Principiante


                   
            Quando finalmente me formei e consegui obter autorização da ordem dos advogados do Brasil para exercer a profissão, chegou o dia em que eu deveria fazer meu primeiro júri, ou seja, deveria defender um cidadão com uma ficha criminal extensa, perante um conselho de sentença composto por sete cidadãos, que eu jamais vira, sorteados entre a população local. Minha tarefa era simples, eu tinha que convencer aquelas sete criaturas ou no mínimo quatro delas, que aquele homem dessa vez era inocente.

Bem, eu saí de casa nesse dia fatídico, após uma noite praticamente insone, com destino ao tribunal, estava tão nervosa que as pernas já quase que não obedeciam ao comando da mente. Um colega deveria dividir comigo o suplício, e eu esperava encontra-lo seguro de si e pronto para me tirar daquele penoso estado de nervos. Contudo, para o meu total e absoluto desespero, encontrei-o lívido e trêmulo. Assim que me viu, declarou a necessidade de ter que ir lá fora, para tomar uma "cachaçinha" sob a alegação de que somente dessa forma conseguiria acalmar-se. Eu então, mentalmente, contei até cinquenta e me sentei, já consciente da responsabilidade e do possível vexame caso não controlasse meu insubordinado sistema nervoso.

O meu colega só retornou quando o juiz presidente iniciou a sessão, deve ter ingerido bem mais que uma "cachaçinha" porque o hálito era pura aguardente. Eu tentava conter o pânico que começava a invadir-me. Em uma fração de segundos cogitei pedir adiamento do júri, mas seria absurdamente ridículo fazê-lo sob a alegação de nervosismo, embriaguez do colega ou qualquer coisa que o valha. Cogitei, ainda, sair simplesmente do recinto e não retornar mais, isso, porém seria o cúmulo da covardia e gosto de acreditar que essa característica não faz parte de minha personalidade, por isso fiquei.

O juiz, para completar o quadro dantesco, dirigiu-se a nós dois e, solenemente, informou que se ele considerasse que o réu não foi adequadamente defendido, o júri seria anulado e, num golpe fatal, do alto de sua magnanimidade, perguntou se já havíamos atuado no tribunal do júri outras vezes e se desejávamos pedir adiamento para estudar mais o famigerado processo.

Nesse momento, me senti fortemente desafiada! A temível benevolência do magistrado para com os iniciantes instigou-me e, movida por um orgulho que me é genético, menti. Declarei com solene veemência já haver tido experiência no Tribunal do Júri e solicitei a continuação do julgamento. O meu colega, deixou-se cair na cadeira, lívido e silencioso.

Após o inflamado e teatral discurso acusatório da promotoria, o meu colega iniciou sua defesa. Entretanto, suas frases não fizeram qualquer sentido, sem dúvida como resultado da avalanche de emoções que o assolaram naquela manhã e obviamente em razão do teor alcoólico que inoportunamente circulava em seu sangue. Não pude deixá-lo continuar, de modo que, em determinado momento, tomei a palavra.

Analisei todo o processo e ataquei veementemente cada falha da promotoria. A simples ideai de sucumbir ao nervosismo e prejudicar a defesa me forneceu uma coragem e eloquência que eu não sabia possuir. Sei que foi assim, porque, depois, me parabenizaram e meu colega, já recuperado, contou-me alguns detalhes que eu mesma já não recordava. Na realidade, não recordo exatamente o que disse durante o discurso porque, naquele momento, o fiz por puro instinto e na defesa desesperada da nossa reputação.

O cliente foi condenado, por quatro votos a três. É preciso ressaltar que as possibilidades de ser absolvido eram tão remotas quanto às chances de chegarmos calmos no primeiro júri de nossas vidas, todavia, conseguimos convencer três jurados de sua inocência, de modo que foi possível recorrer da condenação.

O meu colega não quis mais atuar nessa área do direito, temendo ter que se tornar um alcoólatra se quisesse fazê-lo. Eu continuei aceitando uns casos e outros como forma de exercitar o autocontrole.

Monica Gomes Teixeira Campello de Souza

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Vão sofrimento.



Sofri de um sofrimento inútil, volátil
O tempo passou ao meu lado, invisível.
Invisível como o amor não revelado.
Instável, platônico, desmembrado.

Alcancei com esforço a porta de saída
Era longa, escura, inevitável,
Era importante não olhar para trás,
Mas no mesmo instante já havia olhado.

Um instante, um vislumbre do passado,
Precioso momento, gélido, esquálido,
Vi fechar-se a porta de saída
Onde jamais deveria ter entrado

Tateei no escuro em paredes lisas
Paredes imunes aos meus pecados
Estremeci, estupefata, quando vi
Numa lápide meu corpo enterrado.