quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Advinho


         Ainda criança, João, após uma discussão com um colega, disse, num momento de raiva, que, no dia seguinte, ele levaria uma surra do pai. O colega foi para casa aborrecido e, como ocorre com a maioria das crianças, acabaou por fazer uma travessura e seu pai, aborrecido, deu-lhe uma surra. O colega de João chegou na escola muito desconfiado e contou a outro menino que João havia adivinhado no dia anterior a surra que levou naquele dia. O menino, surpreso, procurou João e desafiou-o a dizer o que lhe aconteceria no dia seguinte e João, em tom de brincadeira, disse que sua avó sentiria muitas dores. Deduzira isso porque sabia que a avó do garoto era velhinha e sentia-se desconfortável, com dores ósseas. Sabia também, por experiência própria com a sua avó, que o tempo frio agravava este tipo de doença e, já que as núvens no céu anunciavam uma tempestade, era provável que o que previra ocorresse. Não foi diferente; no dia seguinte toda escola o havia batizado como o Adivinho.

         Anos se passaram. João continuou a fazer suas óbvias deduções e se tornou cada vez mais popular. Um certo dia, uma jovem recém-casada o procurou muito apreensiva e pediu que lhe dissesse se seu casamento seria feliz. Ele, percebendo que algo não ia bem, tendo em vista sua presença ali, e sua preocupação com um casamento tão recente, quando a maioria dos casais acreditam numa felicidade eterna mesmo que a união seja o desastre mais previsível, declarou solenemente que não daria certo seu casamento. A jóvem saiu chorosa e retornou uma semana depois para informá-lo da separação. Ela e João acabaram ficando amigos, apaixonaram-se e, finalmente, se casaram.

         O casamento foi feliz nos primeiros dois anos. A esposa respeitava João e temia suas previsões. Toda cidade vinha consultar-se com seu marido e isso era motivo de muito orgulho. Um certo dia, João adoeceu. Parecia um simples resfriado, porém, foi piorando e o levou a ficar acamado. A esposa desdobrava-se em cuidados e, muito apreensiva, pediu que previsse seu próprio estado de saúde. Mais uma vez, João deduziu que uma simples gripe que agravara-se tanto, que o levara a ficar acamado sentindo-se tão mal por tantos dias, provavelmente seria uma doença grave e que, portanto, ele não sobreviveria. Disse, então, à esposa, que ela ficaria viúva, que ele sofreria muito e, finalmente, partiria. Em poucos dias, a história do futuro falecimento do Adivinho se espalhou e todos apenas aguardavam a terrível desenlace.

      Uma certa manhã, João inexplicavelmente sentiu-se melhor. Foi gradativamente melhorando. A sua esposa, contudo, achando que ele já sofrera demais e ainda sofreria muito para morrer, movida por uma enorme piedade além da absoluta crença em sua previsões, deu-lhe uma dose fatal de veneno.

       O advinho faleceu numa bela manhã de sol e seu enterro foi o mais pomposo da cidade, era ele o santo homem que previra a própria morte.

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